O SECRETÁRIO
Depois de trabalhar três anos na nossa casa em Cataguases, a cozinheira Cremilda pediu as contas e escafedeu-se. Meus pais não tiveram outro jeito, senão procurar outra.
E, num fim de semana, foram a Pirapetinga e tiveram a sorte de encontrar uma substituta para Cremilda. Trouxeram de lá a Eunice que, por coincidência, foi logo reconhecida por mim, pois havia estudado comigo, na escola da minha avó. Ela era uma autêntica afro-descendente, tinha a pele cor de ébano, dentes brancos, olhos bonitos e, quando me viu, ficou muito satisfeita. Minha mãe foi logo explicando como era o serviço e disse para eu não ficar de conversa com a moça, que tinha dezesseis anos. Minha avó morava conosco e eu falei da coincidência de termos estudado na mesma escola. Apesar de ter sido fundadora de uma escola e de um Centro Espírita, ela não era uma criatura letrada. Era desembaraçada, dinâmica, mas encontrava dificuldade em passar para o papel aquilo que dizia. Diante disso, nomeou-me seu secretário. Assim, todas as cartas eram ditadas por ela e eu escrevia, sempre melhorando o estilo e o português. Muitas e muitas vezes eu escrevia suas cartas. Eunice, sabendo que eu gostava de escrever, perguntou se eu podia fazer um modelo de carta para que escrevesse ao namorado, que morava em Ribeirão Preto, São Paulo. Na escola da minha avó, ela pouco aprendeu e não sabia escrever direito. Então eu fiz uma carta, com dizeres bonitos, amáveis, e ela se encantou com o seu conteúdo. Em agradecimento, deu-me um beijo no rosto, e passei a ser seu secretário, também. Eunice começou a dançar numa gafieira, aos domingos à noite, e chegava por volta da meia-noite. Perguntou se eu gostaria de dançar e eu lhe respondi que, tendo somente catorze anos, não me deixariam entrar. — Você tem dezesseis e parece até ter mais, por isso entra. Além do mais, meus pais não vão permitir. Nem pensar. No meu quarto havia três camas de solteiro: uma da minha avó, uma da Eunice, encostada abaixo da janela, e a outra era ocupada por mim e meu irmão de cinco anos. Uma vez, quando ela veio da dança, aconchegou-se na cama e ficou quietinha. Minha avó roncava e meu irmão dormia um sono profundo. Então, imaginando que a moça já estivesse dormindo, fui cuidadosamente até lá e comecei a passar a mão nas suas coxas; senti aquela brasa quase me queimando. De manhã, ela olhou para mim e deu um sorriso diferente, maldoso, demonstrando pura satisfação. Aí as carícias já passaram a ser toda noite e ela às vezes se mexia excitada, quando, certa noite, sem que eu esperasse, deu um bote na minha mão e disse, falando alto: “Seu filho da puta, vou contar tudo ao seu pai”. Levei um susto danado e respondi-lhe: “Quem vai contar ao meu pai sou eu, sua tarada. Ou você fique quieta, ou conto tudo”. De manhã, ela riu e disse: “Não se assuste, meu secretário, está tudo bem; mas não me provoque mais”.
Orpheu Leal
Enviado por Orpheu Leal em 21/12/2012
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